1ª ANTOLOGIA
CARDÁPIO POÉTICO
ORG Claudia Brino /
Vieira Vivo
SP
*
POEMAS SELECIONADOS
VAZIO
Sou um abismo silente
Esperando que entes caiam em mim
Não há apanhadores a salvá-los
E eles caem sempre; e pra sempre
E a cada coisa ou ser que cai
Me erijo um tanto a mais
Destarte, sou pedaços de todos
Um buraco engolindo outros
Mas não quero tê-los somente
Ambiciono sê-los
E eles nunca param de cair; nunca
E a cada ente que cai
Percebo o quão vazio sou
Dyego Cortez
***
COCHICHO
Ela veio caminhando
toda acanhada
querendo me contar as boas novas
Aproximou-se de mim
com as mãos fechadas
diante do rosto
assim, como se trouxesse
só pra me mostrar
ao abrir dos dedos
- um vagalume
Rodrigo Domit
***
O GRITO
Na musicalidade dos versos
a rebelião silenciosa
das palavras enobrecidas
que lavram uma busca incansável.
Em cada ponto,
em cada canto pelos ares,
suprindo os desencontros
atrás do reencanto dos sonhares.
Na melodia dos olhares
a insurreição das frases no infinito,
alimentadas pelos sentimentos,
que reagem ao silêncio
insubordinadas
pela necessidade do grito.
Paulo Franco
***
Tentativas
Fiz uma ou duas escolhas erradas,
visando cem ou mil possibilidades de acerto.
Usei mais palavras que devia,
tentando rimar,
e não cheguei nem perto.
Digo, me aproximei um pouco.
Afirmar assim fica mais correto.
Se o erro é o caminho à perfeição,
logo mais estarei certo.
João Victor Martins Ruyz
***
QUADRO
a massa acrílica
monocromática
finge
incompetente espátula
amontoando
torrões a esmo
que eclodem rosas
no olhar que aguarda
a mamografia
mantra
rosa-lívido
oráculo
Deise Assumpção
***
Aglomeração
no cume
meus pés
cobertos de formigas
trabalhadeiras
eu sou vagabunda
como a onda
que crepita
lá embaixo
pés, mel, dissolução do corpo
no ato do alto.
Vivian de Moraes
***
IMINÊNCIA
No céu silente
a lua
me espiona...
por isso,
está cada vez mais cheia
de meus segredos.
Tomara que não exploda
revelações
pois não saberei
me advogar.
Maurício Cavalheiro
***
***
Golpe
Basta uma palavra
Para mais mil surgirem
Um furacão de adjetivos
Verbos da melhor safra
Ah! E se eles interagirem?
Não devo me preocupar,
Logo virão os substantivos
Armados de advérbios, até um cravar
E vai tão fundo este golpe
Que ao invés de dor
A vítima grita: “Que poesia!”
Maria Vitória de Rezende Grisi
***
Andar Pra Dentro
O pé devora
A estrada,
A mente
Digere.
Dirige
O passo
O andante;
O caminho
É andar pra dentro.
Cícero Christino
***
HEI DE ELOGIAR
Hei de elogiar a loucura
quando parar de enlouquecer
Hei de elogiar a loucura
quando deixar de rasgar-me
Hei de elogiar a loucura
quando parar de exercê-la
em alma e carne
Natanael Gomes de Alencar
***
CONSTRUÇÃO
a palavra é adaga
a cortar os pulsos
contra ela
milícias bombas
são inúteis
canhões não têm vez
sequer mordaças
a palavra não se cala
grita ejacula goza
a palavra é adaga
fere, mata
mas também é espera:
seu tempo é todo o tempo
Luiz Otávio Oliani
***
Mar-cavalo
a Jorge de Lima
'Era um cavalo todo feito em chamas'
a manhã marinha e confundida,
um celacanto vindo do mar
e tornado outro, pelo e crina.
'Éguas vieram, à tarde, perseguidas'
fêmeas inspirações de deitar as camas
um canto subindo da garganta
e tornadas outras palavras tantas.
Rosa Ramos
***
GRUPO ESCOLAR
Bebia a sombra gorda da mangueira
Naquelas tardes de sol e preguiça
A rua ardia de calor
Andorinhas vinham
Pousar no fio do poste
Ao longe
O rio ruminava águas e mágoas
Na sala de aula a professora
Versejava
A matemática mormente dos números
E eu longe
Mastigando as palavras dos poemas
Cláudio Bento
***
CONJUNCTIO
crua a carne que me sacia
vermelha
obelisco que a boca suga e regurgita
em branco, em ânsia, em pressa
crua a carne que me lavra
morna
insone que me adentra e desabita
em riste, em sede
sismo
Cinthia Kriemler
***
QUINTAN'ESSÊNCIAS
Não consigo imaginar
Quintana chorando,
cortando soluços sentidos,
a não ser lágrimas de extrema alegria,
para lavarem suas faces
queimadas pelo arco-íris,
pois a palavra Quintana
sugere criança brincando
alheia a tudo
imune a qualquer risco
longe desta vida
de direitos e deveres
de ordens e obediências
reduzidas a números e papeis,
aliás como Quintana sempre quis.
Antonio Cabral Filho
**
PAI DE FAMÍLIA (?)
Bêbado
de cachaça e raiva,
ele foi até o berço
e tapou a boca do filho,
abafando os ecos da fome
que martelavam
em sua consciência.
Dora Oliveira
**
ALDRAVIA
Vendo
a
queimada,
Curupira
chora
brasas.
Edweine Loureiro
**
A música guarda todos os meus segredos
escritos na pauta do meu corpo.
E se molha os olhos, se acende a paixão
que o olhar leve de leve
um pouco de voz da minha canção!
Giselle maria
****
sin son, sin risa
às vezes falas tão pouco
e dizes tão muito
e eu, um tanto de louco
(e nada de sábio)
só busco um sorriso fortuito
destes teus monossilábios
(J.R. Lima)
****
Reconhecimento
Um poeta, para ser reconhecido,
Tem a morte como passo obrigatório,
Com aquele seu poema nunca lido,
Por três vezes declamado no velório.
Leandro Andreo
***
Albatroz
A ave avista a aventura:
Alcançar a altitude alva,
Aborrecer anjos às alturas.
Assim aventurou-se.
Afoita, alçou armadura aérea,
Aprumou-se.
Ante a amplitude azul,
Alumiou-se,
Acendendo a alma apagada.
Alquebrada, ao anoitecer,
A ave avista avião acelerado,
Amarelando-lhe a alma alvejante.
Assim aventurou-se,
Arriscando as asas albatrozes.
Acuada, abate-se atropelada.
Causa mortis
(para Renato)
Todos os sintomas,
tudo batia:
os hematomas,
coração que gemia...
em última instância
descobriram:
morrera de distância.
Michelle Hernandes
**
Dar tempo
Devo pensar na minha dor sem fim.
Sonhar que posso ambicionar teu sim,
não quero... Vai! E que esta vida dê,
na dose certa, a solidão do ser.
Quem tem certeza já desiste, foge...
Havendo dúvidas e medo, nossa!
Por que esperar. Sofrendo escárnio, glosa?
Se a vida deve sobejar – sim! – hoje?
Queres mais tempo? Dar-te-ei tempo, então,
a vida inteira. Reflexão, torpor.
Terás de mim tudo e meu nada, mas...
Que seja breve meu sofrer o não.
Que brote, forte, o renovar, sem dor.
Ao renascer, da cicatriz, a paz.
Nijair Araújo Pinto
***
me dou
em linhas
geometrias
traçadas a sal
**
O GOZO
Uma nota, sustenida pela ponta
dos dedos d'alma
alinhava inusitada melodia
Voz que vai
polinizando notas diacrônicas....
sentidas
Voz, cujo mais grave agudo
chora um gozo incandescente
da improvável,fugidia, infinitesimal
felicidade
Tony Barreto
***